sábado, 6 de abril de 2024

Empecilho no Caminho

 — Independentemente do que ela queira, ela sabe que existe esse empecilho no caminho! 

Empecilho no caminho...

Empecilho no caminho...

Empecilho no caminho...

Empecilho no caminho...

Empecilho no caminho...

Essas despretensiosas palavras continuam girando incessantemente na minha cabeça e, bom, não é por menos, visto que eu sou o "empecilho no caminho" ao qual ele se referia. Eu, minhas inseguranças, meus medos e todas as minhas questões internas mal resolvidas que me estagnam e me lançam em salto livre rumo a uma sequência de crises de ansiedade. Não só eu e toda a minha bagagem, mas também o nosso relacionamento e os acordos que estipulamos para vivenciar essa faceta "evoluída" e fora do padrão que, por incrível que pareça, só vigoram por sugestão minha.

Em meio às respirações entrecortadas, reflito sobre a capacidade humana de auto boicote, pois acho deveras interessante a forma como nossas próprias cabeças nos pregam peças e armam circos completos que nos levam diretamente ao fundo do poço. Falo isso com certa propriedade, pois enquanto tento "alinhar meus chacras" e me recompor sou, cada vez mais, assolada por pensamentos intrusivos que se intercalam àquelas palavras e as tornam mais verdadeiras e pesadas.

Enquanto a fala dele reverbera na minha cabeça e, até certo ponto, no meu coração, minha mente me transporta para aquele final de semana no meio de março, no qual não apenas a conheci, como vislumbrei algo que, de certo modo, eu já sabia. Os olhares trocados, os sorrisos bobos, os beijos escondidos, os toques, as palavras de carinho, os gostos similares, a química, a aura que emanava de um para o outro. Realmente, naqueles dois dias, nos que se sucederam e até, talvez, nos que já tinham se passado, eu fui e continuo sendo simples e meramente um empecilho no caminho.

Durante as quase doze horas de convivência, em que nós três ficamos juntos e nossas relações coexistiram, fui tomada por um misto de emoções: um aperto no coração, um embrulho no estômago, um certo peso no corpo e uma sensação estranha de calafrio e arrepio na espinha e em outras partes do corpo. Só que para além das manifestações físicas, eu sentia que não havia espaço para mim naquela ocasião, que não era bem vinda e bem quista, que era uma intrusa em algo que não me cabia. Entretanto, de forma contraditória, também sentia um amargor causado pelo querer fazer parte daquilo que estava se desenrolando bem ali na minha frente. Até porque, quem não gostaria de ser olhada de maneira tão terna, quem não gostaria de receber carícias, quem não gostaria de protagonizar cenas de filme madrugada a dentro, quem não gostaria de sentir-se querida e desejada, quem não gostaria de ser a única coisa necessária para tudo ficar bem e pleno.

Contudo, esses papéis não foram direcionados a mim naquele espetáculo. O que me sobrara era ser um empecilho no caminho... Não posso dizer que essa constatação me surpreendeu, pois eu já sabia disso e pensava dessa forma antes mesmo da afirmação retumbar em meus ouvidos e me gelar por inteira enquanto servia meu prato para jantar fazendo-me perder não apenas o apetite, como qualquer esperança que ainda habitava em mim.

E em meio a desesperança, às crises, ao desamparo, ao fundo do poço no qual eu mesma me trouxe, penso em tantos outros momentos nos quais fui exatamente isso: um empecilho no caminho dele impedindo-o de viver sua vida, suas experiências, seus amores, seus desejos, seus sonhos; privando-o das coisas que abrilhantavam seus olhos, aqueciam seu coração e o motivavam a seguir adiante; reprimindo-o e minando sua energia, sua tenacidade, sua estima e sua confiança.

Há quanto tempo eu venho sendo um empecilho no caminho? Por quanto tempo eu ainda serei um empecilho no caminho se sequer sei como deixar de sê-lo? Seguirmos nossos rumos seria a única resolução para essa situação?

Ainda que eu não tenha as respostas dessas e de outras perguntas que me assolam, só consigo pensar que eu poderia ser algo diferente de um empecilho se tudo isso não tivesse partido de mim a quase cinco anos atrás e se não fosse tão difícil abrir mão de tudo aquilo que, às duras penas, foi conquistado. 

Enquanto isso, seguirei sendo um empecilho no meio do caminho. Até que eu deixe de ser.


Gabrielle Colturato

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Por quê?

Logo eu, que sou tão boa de memória, me sinto incapaz de lembrar a última vez que houve amor entre nós. Pego-me pensando e não consigo dizer quando me tocou e me desejou pela última vez. Não são raras as vezes em que me pergunto se realmente ainda existe tesão e excitação na nossa relação ou se, há muito tempo, um balde de desinteresse sobre caiu em nós e apagou nossa chama. Inevitavelmente e com mais frequência dos que gostaria, me questiono se o problema está em mim ou se está em você. Por vezes, inclusive, reflito se, na verdade, não existe problema alguma e só não somos mais compatíveis, se é que algum dia chegamos a ser.

Independentemente do motivo, o que mais me aflige são os motivos que nos impelem a continuarmos levando isso adiante, se notoriamente não nos encaixamos mais. 


Gabrielle Colturato

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Quase

Nossos corpos estavam rentes um ao outro, em uma conchinha confortável, de modo que uma centelha de vento sequer seria capaz de passar entre nós. Seu ronco retumbava ao pé do meu ouvido, anunciando que seu sono, enfim, o embalara. E sua mão tocava partes aleatórias do meu torso em espasmos involuntários, causando certo arrepio por todo o meu corpo.

Ao contrário do que seria de se esperar, após um dia longo, estressante e cansativo, tanto física quanto mentalmente falando, eu estava sem sono, dando espaço para um zilhão de pensamentos intrusivos que iam desde os mais inocentes até os mais depravados.

Naquele momento em que sua mão apalpou meu seio e tocou a pele descoberta da minha barriga, eu só conseguia pensar no quanto eu queria que acordasse, após um lapso de desejo e de tesão, e me tomasse pra si. 

Esses pensamentos maliciosos vinham tomando minha cabeça desde o momento que precisei levantar para ir ao banheiro e o encontrei por ali, de pau duro, possivelmente após ter batido uma punheta. Vê-lo guardando timidamente sua protuberância na samba canção e raspando-a, inevitavelmente, na pia enquanto lavava as mãos desencadeou uma sequência de desejos pecaminosos dentro de mim.

Ao voltar para cama, após esse encontro, usei minhas investidas habituais: deitei-me ao seu lado, aproximando-me aos poucos, acariciando suas costas, sua nuca e seu ombro, até o momento de pedir-lhe um beijo na intenção de termos qualquer interação. Você, como de costume, respondeu de forma resistente: primeiramente criticando meu modus operandi, mas por fim virando-se para me dar um beijo mesmo dizendo que não merecia recebê-lo.

Contudo, como não costumo desistir fácil, segui com minha abordagem, puxando assunto e aproximando meu corpo do seu. O grande problema daquela situação é que já passavam das 23 horas e você acordaria as 4 da manhã seguinte. Ou seja, as tais 8 horas de sono que fazia questão de ter já haviam sido perdidas e lutava, insistentemente, para pegar no sono e ter qualquer minuto a mais de descanso. O relógio não estava ao meu favor e, você, muito menos.

Em meio às minhas tentativas falhas e às suas negativas, consegui que me desse mais um beijo que, pro meu desprazer, foi logo interrompido com as palavras de ordem: "Pronto, acabou. Vira pra podermos dormir".

Obstinada em meus desejos, acatei seu pedido e virei-me de costas pra você. Arrumei meu travesseiro e pressionei meu corpo ao seu, roçando, de tempos em tempos, minha bunda contra sua pelve na intenção de provocá-lo. Entretanto, ainda que tenha elogiado minha comissão de costas, sequer notou minhas intenções ou, se o fez, não deixou transparecer.

Enquanto esfregava meu corpo ao seu com o intuito de desencadear um sexo repentino, igual aquele que fizemos no meio da noite, após um cochilo, alguns meses atrás, pensamentos conflitantes assumiam as rédeas na minha mente, instigando-me ao extremo ao mesmo tempo que me levava a conclusão que nada aconteceria dessa vez, que essa noite não teria o mesmo desfecho regozijante que outras noites já tiveram.

Restava-me então, a ilusória expectativa que, ao acordar, retribuiria minhas investidas, acordando-me com beijos e com toques sedentos. Mas nós dois sabemos sobre a impossibilidade desse cenário se concretizar, sabemos, também, que qualquer tesão reprimido que sinta será saciado no banho e, no meu caso, com minha varinha entre uma conversa e outra aberta no Telegram.


G. C.

domingo, 20 de agosto de 2023

A Noite das Nacionalidades

Tal como qualquer ser humano que se preze, a primeira coisa que eu disse quando passamos pela porta da sala e segurei as gatas para que elas não fugissem foi: "Pode entrar, só não repara na bagunça. A casa não é lá grande coisa, mas fica à vontade.", sentindo-me um verdadeiro orgulho para a nação brasileira raiz. Mas, a verdade é que a casa nem estava tão bagunçada, visto que passei a semana toda a mantendo o mais organizada possível e, na manhã daquele mesmo dia, me dediquei à faxina dos cômodos como não fazia há um bom tempo.

Enquanto eu guardava as compras que havíamos feito para a nossa "noite das nacionalidades", ela analisava o ambiente com um olhar curioso, mas que beirava a ansiedade. Ainda que o objetivo daquele date fosse cozinharmos comidas de diversas "regiões" diferentes, a iminência do que poderia acontecer entre nós naquela noite preenchia cada milímetro da atmosfera que nos rodeava. A ideia de, já no terceiro encontro, darmos um passo tão grande como aquele que, possivelmente, seria dado nos assustava e nos deixava com um pouco de medo. Não bastasse esse misto de sentimentos, ainda havia uma voz dentro de mim que insistia em me sabotar, implantando pensamentos na minha cabeça e me lembrando que minha inexperiência no assunto poderia estragar aquele que precisava ser o melhor de todos os dates do universo. 

Após arrumar as compras, apresentei-lhe o restante da casa e pedi-lhe alguns minutos para passar uma água no corpo e tirar o suor que, inevitavelmente, cobria minha pele após poucos movimentos naquele dia quente de fevereiro. Então, segui para o quarto com o intuito de escolher uma roupa provocante o suficiente para instigá-la, mas recatada o bastante para não levá-la a dar passos maiores do que realmente desejava. 

Sentada na cama, enquanto separava a roupa escolhida para a noite, me lembrava da conversa que havia tido com uma amiga ao longo da semana, quando a chamei para partilhar alguns dos meus muitos anseios em relação àquele date. Entre eles estava o receio daquela garota de cabelos cacheados e voz doce pertencer a uma quadrilha que invade e rouba casas, tendo como tática a sedução de mulheres. Na minha cabeça, aquela hipótese era totalmente plausível e, por aquele motivo, eu não poderia deixá-la sozinha para ir tomar banho: afinal, o que me garantia que ela não se aproveitaria daquela situação para mapear todos os meus pertences e repassar aos seus cúmplices? Absolutamente nada, mas, ainda assim, me levantei e segui para o banheiro com toda a determinação que me era possível em meio às minhas paranoias infundadas. 

A verdade é que, a depender de mim, eu seguiria o conselho dado por essa mesma amiga e a convidaria para tomar um banho. Queria que ela estivesse ali dentro comigo, mas, ao mesmo tempo, não gostaria de parecer afobada, tampouco pular etapas do que quer que fosse se desenrolar nas próximas horas, pois, de novo, não queria tomar nenhuma atitude que a pressionasse a fazer algo que não estivesse à vontade. 

O fato de, ao longo das nossas trocas de mensagem, termos conversado muito pouco acerca de nossas experiências com outras pessoas não ajudava a melhorar a tensão que eu sentia. Em momento algum pensamos que alinhar expectativas, desejos, interesses e preferências pudesse ser uma boa ideia. Na verdade, isso até passara pela minha cabeça, mas, a meu ver, existia uma barreira na qual ela preferia se manter reservada e resguardada. Apesar de achar poético o conceito de descobrir na prática aquilo que provoca arrepios na pele do outro, sempre fui adepta às conversas difíceis, pois acredito que lançar-se cegamente em direção a certas experiências pode ser um tanto catastrófico.

Absorta em meio a todos esses pensamentos, finalizei meu banho, me sequei, me enrolei na toalha e voltei para o quarto para me trocar. Vesti a roupa que eu havia escolhido poucos minutos antes: minha calcinha rendada favorita, meu sutiã com transparência e um short curto e soltinho. Contudo, eu seguia na dúvida sobre qual blusa usar. Encarando a gaveta, analisei uma, mexi em outra, cheirei uma terceira e, alheia ao mundo externo, sequer percebi sua presença encostada na moldura da porta. Envergonhada por ser flagrada naquela situação, peguei uma regatinha preta com listras brancas que adoro e a vesti rapidamente, sorrindo acanhada para aquela mulher que eu tanto desejava. 

A tensão sexual no ambiente era tão evidente que não demorou para que ela se aproximasse, constrangida, e me enlaçasse com seus braços. Primeiramente, ela se encaixou entre as minhas pernas e começou a me beijar suavemente, mas conforme nosso beijo se intensificou, recuei no sentido do meio da cama, dando espaço para que ela sentasse em meu colo.

Em meio aquele beijo cada vez mais instigante, trocamos carícias e exploramos trechos de pele uma da outra que ansiávamos em conhecer desde aquele fim de tarde, pós-expediente, no Calçadão Urbanoide. Naquele misto de beijos, de carinhos e de suspiros contidos, sequer notamos os movimentos que já havíamos feito pela cama, levando-me a deitar e a ajeitá-la perfeitamente sobre mim, me dando acesso total a cada parte do seu corpo. Àquela altura, já estávamos despidas de nossas blusas e, num lapso de contenção dos meus desejos, admirei as curvas dos seus seios pequenos, o desenho de sua cintura, as linhas da sua clavícula, seu umbigo e toda a extensão do seu corpo que estava a mostra.

Com aquela mulher em cima de mim, ficava cada vez mais difícil domar minha vontade de jogá-la sobre a cama para arrancar cada peça de roupa que ainda lhe restava no corpo e senti-la por inteiro, de todas as formas que fossem possíveis. Na tentativa de me controlar, quebrei o clima que nos rodeava sugerindo que jogássemos um boardgame e, depois de mostrar todas as opções disponíveis (incluindo os jogos de cunho sexual), escolhemos um cardgame chamado Dungeons & Drinks, pois, de acordo com ela, seria necessário um pouco de álcool para que ela topasse partir pro Jogo das Intenções. Sendo assim, voltamos à cozinha para preparar nossas bebidas, pois, como o nome mesmo dizia, para jogarmos ele do jeito certo não poderiam faltar alguns drinks.

Enquanto preparávamos nossas caipirinhas de saquê de morango com energético de melancia, trocávamos olhares e beijos a todo o momento, quase como se houvesse algo que nos atraísse uma para a outra. Com os drinks prontos, fomos pro quarto, lemos as regras e seguimos com o preparo para começarmos o jogo.

Depois de inúmeras rodadas, de incontáveis goles em nossas bebidas, de muitos risos e da sorte de principiante que estava ao lado dela, encerramos aquela partida tendo-a como vencedora, para a tristeza do meu "eu" competitivo. Tal como um irmão mais velho rabugento, jurei de pé junto que havia permitido que ela ganhasse, já que era sua primeira vez, mas nós duas sabíamos que eu estava apenas blefando. 

Terminando Dungeons & Drinks e tendo, praticamente, esvaziado nossos copos de caipirinha, questionei se já havíamos consumido álcool o suficiente para deixá-la confortável para partirmos pro Jogo das Intenções. Para fins de contexto, ele se trata de um cardgame simplista cujo objetivo é ajudar os participantes a quebrar o gelo em um primeiro encontro sexual. Seu baralho possui inúmeras perguntas divididas em quatro categorias: as preliminares, para iniciar a conversa íntima; a safadeza, para revelar fantasias e fetiches; a ação, para fazer coisas com as pessoas envolvidas; e a escape, para fugir de uma alguma carta que lhe cause desconforto. 

Dado o álcool consumido, decidimos que estávamos aptas a começar o Jogo das Intenções. De início, nos ativemos às cartas de preliminares, visto que sabíamos muito pouco sobre as preferências uma da outra. Ou seja, aquelas cartas nos dariam um norte quanto aos próximos passos a serem dados e contribuiriam para que eventuais limites fossem estabelecidos. 

Contudo, para a minha surpresa, passadas algumas cartas do baralho mais brando, ela tomou a iniciativa de partir para as perguntas de safadeza, fazendo com que a tensão sexual existente entre nós voltasse a ficar palpável e irresistível. Então, pouco a pouco, de forma lenta e sorrateira, fomos nos aproximando. Entre uma carta e outra, trocávamos beijos que ficavam cada vez mais quentes e mais urgentes. Não demorou para que, sem querer, como quem não quer nada, retirássemos a primeira pergunta do monte mais convidativo do baralho: o de ação. 

Ao contrário do que seria esperado àquela altura da brincadeira, ainda estávamos com todas as peças de roupa no corpo, com exceção das camisetas que foram retiradas logo no início da noite. Por mais frustrante que aquela situação pudesse parecer, afinal, já estávamos juntas, a sós, há um bom tempo e poderíamos ter nos despido, também, há um bom tempo, a meu ver, as ações propostas por aquele deck vermelho nos levariam às melhores maneiras de nos desnudarmos.

Por motivos óbvios, sou incapaz de me lembrar quais foram as cartas que lemos uma para a outra, mas me lembro com exatidão como o encontro dos nossos corpos era eletrizante. Não me recordo em qual sequência nossas peças de roupas foram arrancadas, mas lembro da sensação experienciada ao deslizar minhas mãos por cada milimetro do corpo dela. Tampouco sei dizer em que momento deixamos o Jogo das Intenções de lado e tomamos as rédeas da situação, mas sei como me senti ao vê-la nua, pela primeira vez, bem na minha frente. Entretanto, dentre todas as maravilhas daquela noite que ficaram registradas em minha mente, a reação dela ao arsenal de sex toys que, inesperadamente, retirei do meu guarda-roupa se tornou, de longe, uma das minhas lembranças favoritas.

Despidas, não apenas de nossas roupas, mas de nossos pudores, nos embrenhamos no corpo uma da outra em busca de tudo aquilo que vínhamos esperando daquele date. Era inebriante a maneira como ela fechava os olhos, mordia os lábios, pronunciava meu nome entre suspiros e gemia. E, vagarosamente, nos demos o direito de nos deleitarmos, uma por vez, com cada parte do corpo uma da outra: perpassando pela boca, pelo pescoço, pelos seios rígidos, pela barriga, indo para os pés, para virmos subindo pelos joelhos, pelas coxas, até chegarmos, finalmente, aos lábios molhados e expostos em meio às pernas abertas.

Tendo-a inteiramente para mim, vulnerável a todo o prazer que eu estivesse disposta a lhe proporcionar, não havia sensação melhor do que senti-la em minha língua e deliciar-me com o mel que lhe escorria, tal como uma cachoeira, facilitando a entrada dos meus dedos em seu íntimo. Naquele momento, só conseguia me questionar porque não havia uma cintaralha, dentre todos os apetrechos sexuais que coleciono, que me permitisse penetrá-la calma, mas profundamente.

Contudo, não seria aquilo que me impediria de levá-la ao ápice. Fosse com o rabbit, com a varinha, com os prendedores de mamilos, com os plugs, com as amarras, com a venda ou, simples e meramente, com meu próprio corpo e tudo que ele tinha a me oferecer como recurso: eu lhe proporcionaria o êxtase máximo, pois mulher alguma merecia menos do que isso ao entregar-se a outra pessoa na cama.

E, assim, foi feito.

Naquela noite, permitimos que nossos anseios respondessem por nós e experimentamos tudo aquilo que nossos corpos tinham vontade. Para além disso, nos entregamos a desejos que nunca haviam se passado por nossas cabeças e que nem imaginávamos serem possíveis de realizar. Entre beijos e toques, entre chupadas e apalpadas, entre sorrisos e olhares, entre gemidos e suspiros, chegamos ao limite: tanto juntas, quanto separadas.

Naquela noite, tendo posse de seu corpo, de suas curvas e tendo sentido seu sabor de formas distintas, avancei alguns passos no que diz respeito às dúvidas que, eventualmente, me dominavam. Ali, em meio aos encontros que tivemos, ficou nítido: eu estava no caminho certo.


Gabrielle Colturato

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Autobiografia: Um Perfil de Mim Mesma

Gabrielle Cristina Rodrigues Colturato. Gabrielle Colturato. Gabri. Gable. Gabby Gabby. Gaby’z. Gabi. Gabsboo (ou Gaboobs). Gabs. Gab (apenas, ou Gab+).  Bibi. Bi. Oguito. Biscoitinho (apenas, mas também do Mal). Pipoquinha. Tchubiruba. Xuxuzinha. Fofuxa. Fofoletinha. Quantusratus. Bolinho de Arroz. Mozão. Vida. E, mais recentemente, Chocolate Branco. Filha. Irmã. Neta. Amiga. Namorada. Noiva. Aluna. Funcionária. Mulher. Se, pra cada um a minha volta, sou uma versão distinta de mim. Quem sou de verdade?

A resposta a esta pergunta não é simples, tampouco estou perto de tê-la por completo. Mas antes de entrarmos em filosofias de vida sobre “Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Pra quê sirvo”, precisamos rebobinar esta fita aos primórdios da minha vida.

Pois bem, comecemos do início. Tudo começou quando eu nasci (dã, óbvio). Em 03 de junho de 1999, às 14h30m, em pleno feriado de Corpus Christi (o nome Cristina veio daí, reaproveitando o da minha mãe. Obrigada pai, só que não). Parto normal com fórceps. 3,750 kg e 51cm: a aeromoça da maternidade, de acordo com minha avó. A questão é: como deixei de ser aquele bebê topetudo e me transformei nisto que sou hoje? Acredite ou não, a resposta não é “Crescendo!”, afinal, de lá pra cá, só foram 1,08 m de acréscimo aos já mencionados 51cm.

Cresci em uma família parcialmente unida, com referenciais fortes. Criada quase que totalmente pelos meus avôs paternos. Ingressei na vida acadêmica com apenas três aninhos, depois de apurrinhar minha mãe para me matricular na pré escola. De lá para cá, minha relação com os estudos se estreitou até que me tornei a CDF que ia à escola nas férias e estava mais preocupada em adquirir novos conhecimentos a fazer amizades.

Devido às dificuldades de socialização, que só se agravaram com os anos, acabei buscando refúgio nos lugares que aquecem meu coração até hoje: os livros e a escrita. Os primeiros livros foram devorados quando eu tinha pouco mais de seis anos. E se a paixão pelos estudos já havia sido grande, a pelos livros foi avassaladora ao ponto de pedi-los a cada data comemorativa em que fosse receber presentes. Com a escrita não foi diferente, com onze anos montei um blog, sozinha, para publicar meus devaneios juvenis em formato de textos.

Os anos se passaram e ao mesmo tempo que nada de grandioso aconteceu, tudo aconteceu. Precisei, desde cedo, me virar sozinha. E como qualquer outra garota eu me apaixonei, e me iludi. Me machuquei, física e psicologicamente. Conheci pessoas as quais me aproximei, mas que logo me afastei. Fiz algumas amizades verdadeiras. Recitei minhas poesias em um Teatro lotado de gente e fui muito aplaudida. Ouvi conselhos incríveis do meu avô. Dei espaço para que o novo acontecesse. Passei por tratamento terapêutico, duas vezes. Quase me converti ao Budismo. Fiz dois cursos Técnicos. Ingressei no mercado de trabalho. Conheci o homem com o qual pretendo dividir minha vida e o pedi em casamento (e ele disse Sim!). Aprendi a andar de patins. Enchi meu corpo de tatuagens. Encantei-me, depois de anos, pela Disney e pelo Mickey Mouse. Descobri que gosto de RPG e boardgames. Aprendi a ser grata. Realizei alguns sonhos íntimos que carreguei comigo por muitos anos. Percebi que detesto coisas que sempre achei que gostaria, e amei coisas que sempre achei que odiaria. 

E, em meio a tudo isso, precisei me despedir da pessoa mais preciosa que já tive em minha vida, aquela que esteve ao meu lado em todos os momentos possíveis, que me apoiava em todas as minhas escolhas, que me conhecia melhor do que qualquer outra pessoa e que sabia quando eu estava triste só de me olhar, que comprava várias coisas gostosas para mim e, também, as melhores bananas nanicas, que me levava para pescar e sempre deixava eu recolher as varas, que sempre passava no Apiário Santo Antônio só para fazer minhas vontades, que me cobria quando eu dormia no sofá, mas que nunca tirava meu óculos do rosto para que eu conseguisse enxergar nos meus sonhos, que me xingava por não ir visitá-lo, mas que ficava todo serelepe quando eu tocava a campainha. A pessoa que recebeu várias dedicatórias em trabalhos acadêmicos e em minha pele. A pessoa que mais amo em toda a minha vidinha e que me faz uma falta danada: meu avô.

Com o tempo, fui me descobrindo como pessoa e aprendendo a respeitar meus gostos e minhas vontades e também a lidar com todas as intempéries que apareceram e continuam aparecendo. Permiti a mim mesma que tentasse ser eu, independente do que os outros pensassem. Acreditei na minha intuição e naquilo que fazia sentido para mim. Em essência, tudo continuou da mesma forma que  sempre foi: o fascínio pela educação só tomou forma conforme mestres exímios cruzavam meu caminho; o amor pelos livros expandiu-se até se tornar uma mini biblioteca com mais de quatrocentos exemplares adquiridos, porém nem todos lidos; e a escrita tornou-se meu alicerce nos momentos mais difíceis e levou-me, após muito receio, ao curso de Jornalismo.

Meus não longínquos vinte anos não foram, nem de longe, os mais formidáveis. Não vivenciei todas as experiências que gostaria e as que tive não possuem nenhuma magnificência. Não acumulei descobertas impressionantes. Tampouco descobri a cura para uma doença grave. Não realizei feitos que impactaram o mundo. E não busquei promover a paz mundial. Ninguém, além de mim mesma, expressará o desejo de escrever um livro sobre a minha vida, para torná-lo um best seller e, depois, adaptá-lo para o cinema. Sou apenas uma garota comum que impressiona pouquíssimas pessoas. Mas independente disso, reconheço que cada uma das minhas vivências tem um valor inestimável, porque, sem elas, eu não seria metade do que sou hoje (só fica a dúvida se isso é bom ou ruim).

E apesar de toda essa falação sem fim, ainda ficam alguns questionamentos em aberto. Dando espaço às reflexões filosóficas possíveis, que agora são cabíveis: Será que, de fato, tornei-me a pessoa que almejava ser? Se não, será que ao menos estou no caminho certo para isso? E será que realmente sei a pessoa que gostaria de me tornar?

No fim das contas eu sou só uma garotinha, ainda em transmutação, com um coração repleto de sonhos e com o desejo de transformar o mundo (se não ele inteiro, pelo menos o mundo individual de cada pessoa que conheço). Tenho pisado em ovos e quebrado alguns no decorrer do caminho para buscar meu lugar neste mundo tão caótico e hostil e me convencer de que viver vale a pena.


Gabrielle Colturato


"Eu não sei na verdade quem eu sou

Já tentei calcular o meu valor

Mas sempre encontro sorriso e o meu paraíso é onde estou

Por que a gente é desse jeito

Criando conceito pra tudo que restou?"

- Eu Não Sei Na Verdade Quem Eu Sou, O Teatro Mágico


Obs.: Esse texto foi produzido para a aula de Oficina de Redação do curso de Comunicação Social - Jornalismo.